quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Tempo... és um dos Deuses mais lindos


...sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus,... faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte. Faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e a luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro...

(Clarice Lispector)


O tempo do faz de conta é necessário, ainda mais nas horas da vida onde você não sabe onde fica a saida, não sabe se escolhe a ti ou aos outros, o teu sofrimento ou do outro, não sabe escolher entre o bem e o mau.

Há momentos que o melhor caminho é fechar os olhos e se imaginar no mundo do faz de conta, onde não há problemas, não há sofrimento, não há medo nem adversidades...num mundo onde as pessoas sempre estão sorrindo. Não há rancor, apenas sorrisos. Num mundo onde há apenas o príncipe e a princesa e estes podem dançar nos jardins verdes e coloridos, do castelo...uma linda valsa.

Num mundo onde voar é possível...


[Postando ao som de: Caetano Veloso - Oração ao Tempo]

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